25.4.21

Desde a noticia, no dia 6 de abril de 2021, o que mais tenho feito é lembrar. Relembrar, voltar a cada momento. E a última ligação, no dia 3, me aperta o coração cada vez que lembro, mas fico sempre impressionado com o tanto que parece que falamos, tantos assuntos, tanto conteúdo e tantas coisas importantes!

Até o início da pandemia, desde quando me mudei de São Paulo para o Centro-Oeste, as ligações não eram tão frequentes, talvez 2 vezes ao mês e costumavam se resumir a no máximo 5 minutos. Falava um pouco de como estava, talvez uma novidade, frivolidades e então passava para a mãe...

Mas desde que tudo começou, no meio de março de 2020, as ligações se tornaram mais frequentes. Não tanto quanto eu achava que deveriam, como eu sempre dizia. Mas eram semanais, as vezes com intervalos de dez ou quinze dias, mas muito mais longas. Meia hora, quarenta minutos, chegamos a falar uma hora. Algo que sempre foi comum em ligações com minha mãe, com meu pai era algo que só acontecia pessoalmente, conversas longas à mesa, depois do jantar, do café da manhã, quando tinhamos tempo. Sobre tudo, do dia a dia, politica e nossas discordâncias, histórias da vida dele, futebol, história ou que viesse a tona.

Mas a última ligação! Dia 3 de abril, 16:21 da tarde. Falamos por 37 minutos e 54 segundos. No último ano principalmente ele tinha o hábito de mandar uma mensagem pelo zap-zap desejando boa tarde, bom dia, bom domingo, sempre bons desejos. Nesse mesmo dia 3, às 13:17 ele me escreveu. Eu já estava pensando em ligar, então não respondi, deixando pra responder pelo telefone.

Talvez os mais de vinte dias passados afastem algumas lembranças, detalhes. Mas não sai da minha cabeça, perdi o sono lembrando e pensando na idéia de registrar o que lembro, enquanto a memória esta aqui.

Ultimamente ele costumava falar de estudos, perguntar se eu não pretendia seguir com doutorados e afins, principalmente desde que minha irmã começou o mestrado dela. Estudo nunca é demais, dizia ele e falamos sobre o mestrado dela, ele não sabia muito bem o assunto mas sempre mostrava como estava orgulhoso. Eu também não sabia exatamente sobre o que era mas por um acaso tinha falado com ela pouco antes sobre e comentei o pouco que sabia. E comentei que andava cogitando, que havia conversado com um amigo professor universitário que havia me incentivado a pensar sobre. Falamos de estudo, comentei da minha sogra que estava terminando o ensino médio e ele perguntou sobre. Mostrou interesse, como não imaginava que tinha. Perguntou como era, se ele podia fazer também. Eu disse que ia pesquisar sobre. Ele, que só completou o 4o ano do primário, mas que tanto nos ensinou, tanto sabia! Quando falava, não devia nada a ninguém com mestrado, doutorado ou qualquer título. Um mente muito ágil, sabia de tudo, falava de tudo e sabia muito! (falarei mais em breve, para não perder a linha e nem me extender muito comigo mesmo)

Mas o que mais me marcou foi outro tema. Não lembro como chegamos nesse assunto, o que levou a falarmos sobre. Mas ele falou algo sobre ajudar quem precisa. E o que ficou voltando, martelando, foi que ele disse que passou fome e sabe como é passar fome. E como ele pode, o minimo que ele podia fazer era ajudar e retribuir como ajudaram a ele quando criança. E essa imagem, de ajudar sempre que era possivel, não importa onde estivesse e quem fosse, é uma das mais marcantes, entre tantas imagens e lembranças que ficam para sempre. Lembrando da ligação, parece que ouço a voz dele. Me imagino na sala de casa em Brasília, de pé perto da mesa (costumo andar pela casa quando falo ao telefone, principalmente em ligações longas como as nossas dos tempos de pandemia) e na ligação me imaginava do lado dele, olhando nos olhos dele e ouvindo ele falar. E lembrava das histórias que ele contava, dos seus tempos do Colégio dos Órfãos em Portugal. E apesar de tudo ter melhorado para ele, principalmente nos últimos anos, ele não esquecia suas origens e seu passado. Ajudava sem esperar nada em troca.

Sempre que ligava, neste ultimo ano principalmente, sentia uma alegria na sua voz, de falar com um dos seus filhos. E quando desligavamos, sempre agradecia (e eu sempre dizia que não tinha porque agradecer). Achava que estava atrapalhando, tomando meu tempo ou algo parecido (e eu sempre dizia que não tomava tempo nenhum, era sempre um prazer). Assim como sempre que eu perguntava se estava ocupado, se estava atrapalhando, dizia que não atrapalha. Filhos nunca atrapalha, dizia. Isso sempre, mesmo que na hora do almoço no trabalho, a hora mais movimentada e corrida no restaurante, nunca atrapalhavamos pra ele.

Ainda na ligação falamos de planos, planos de casa própria, algo corriqueiro nos ultimos tempos (o assunto, trazido por ele). Falamos de futebol, como sempre, mas os detalhes me fogem a memória. Mas era comum falarmos dos Belenenses, da Académica e da Juventus pelo Cristiano Ronaldo (o marrentinho, como ele sempre dizia). Falava do placar, as vezes eu achava que ia contar alguma novidade e ele já sabia de tudo. Era comum eu atualizar dos resultados, principalmente da Académica na segunda divisão. Lembro de algumas vezes passar a tabela de classificação pelo telefone. Times, suas pontuações e imagino ele mentalizando e fazendo as contas na cabeça, que ele fazia como ninguém e com uma velocidade sempre impresionante...e sempre terminava o assunto futebol, ou depois de falar de algum resultado ou noticia ruim, com são uns pernas de pau. E claro, quase sempre falávamos da maloqueira, como ele carinhosamente se referia a Portuguesa. Lusa que faz parte da minha vida graças ele, mas também assunto para outra memória...

No dia 4 de abril nos vimos pela última vez, em uma chamada por skype de toda a família, cada um na sua casa. Estava animado, do seu jeito nas chamadas, já que ele dizia que gostava de nos ouvir e ver a os filhos falando. Ele falava pouco nessas chamadas, mas estava lá, do seu jeitinho, lindo. E estávamos animados, assim como ele, que no dia 5 ele tomaria a tão guardada segunda dose da vacina, que ele de fato veio a tomar. Em talvez quinze ou vinte dias, ainda não tinha(mos) chegado a uma decisão unanime de tempo, ele poderia voltar a sair e trabalhar, coisa que nunca deixou de fazer desde sabe-se la quando, mas com quase toda a certeza nos últimos 60 anos. Eu não liguei, como meus irmãos fizeram, na segunda depois dele sair pra tomar a vacina, para saber como estava. Pensava em ligar em algum momento da semana, terça ou quarta, não tinha pressa, pensei eu. O que me consola é que falamos por 37 minutos e 54 segundos bem aproveitados no sábado e por horas nos ultimos anos. E aproveitamos bem os momentos que estivemos juntos, do nossos jeito, cada um de nós com o nosso jeito de aproveitar a presença e companhia um do outro.

E sim, planejavamos ir a Portugal. Falamos também disso no sábado. Vamos ver em 2022...vamos ver como vai ser o próximo ano. Aí vamos todos os 9.

PS: Na conversa, falando dos estudos e do meu mestrado, comentando sobre escrever uma tese no caso da minha irmã e no meu caso dei um recital, que ele comentouE nós assistimos, ao vivo!, com ênfase, que me deixou feliz de lembrar que mesmo distantes, eles estavam lá presentes...

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